fungo negroMucormicose: Fungo negro (aquele da Índia) no Brasil

Essa é uma transcrição do vídeo, que pode ser útil para quem preferir ler sobre o assunto. Veja o vídeo ao final da página.

O assunto de hoje é extremamente grave e muito triste.

Antes de falar respeito, eu quero que você pare e se lembre daquela laranja que você acabou se esquecendo de comer e quando você vai olhar, ela tá lá toda preta cheia de mofo, ou então aquele pão que você deixou na geladeira para comer depois em alguma outra oportunidade e aí quando você vai pegar eles estão todos enegrecidos, tem uns que até ficam com pelinhos.

E aí às vezes você vai tentar salvar alguma coisa e você vai partindo, partindo, e quanto mais você parte, mais você vê que o fungo já penetrou ali… E às vezes você tem que jogar tudo fora e não consegue comer.

fungo negro covidAgora imagina esse mesmo quadro na gente, infestando o rosto, imagina que para você salvar um paciente acometido por um fungo negro, você tem que desbridar, você tem que ir partindo o rosto dele para tentar achar algum tecido saudável, que seja viável para ele continuar vivo.

E isso é o que pode acontecer na mucormicose, que é o fungo negro que várias pessoas têm falado que tem acontecido na Índia principalmente com pacientes acometidos pela covid-19.

Vou contar tudo para vocês a respeito da mucormicose

Há mais ou menos duas semanas, esses casos começaram a aparecer lá na Índia, e a mídia começou a notificar, e eu comecei a estudar e ver a relação com o covid19.

Nos meus 20 anos trabalhando como infectologista, eu tinha visto dois casos destes. Muito relacionados a paciente com diabetes ou com algum tipo de imunodeficiência, no meu caso foi HIV (AIDS) que é o mais descrito. E um paciente com uma deficiência grave pós transplante de medula e uso de quimioterapia.

mucormicose rino cerebral - fungo negro covidEssas coisas assim com covid 19  a gente não vinha vendo… Esses casos como como tinha acontecido na Índia mas
infelizmente a uns dias atrás a gente conseguiu diagnosticar um caso desses lá no hospital, aqui no Rio de Janeiro, e em um paciente muito querido que a gente já estava acompanhando há muito tempo e aí a gente pode perceber a gravidade intensa, e como isso pode vir a acontecer.

Mas vou começar explicando para vocês o que a mucormicose

Vou falar um pouquinho do que a gente sabe a respeito dela, e no final vou falar da relação com o covid-19.
A mucormicose é uma infecção fúngica ainda bem rara, mas muito, muito grave, a letalidade dela é maior que 50%, tem alguns trabalhos – têm poucos trabalhos falando disso – mas alguns trabalhos falando de mortalidade / letalidade até de 80%!
É uma infecção fúngica que pode ser causada por vários fungos, e esses com os que tem a ordem mucorales e aí tem vários nomes que realmente não vou ficar citando aqui porque vocês não precisam saber, o que a gente precisa saber é que esse fungo, ele
é extremamente angiogenico e o que que é essa palavra?  Ele gosta de infectar e ficar ali nos nossos vasos sanguíneos, então quando ele infecta nosso vaso sanguíneo, ele vai e corta o suprimento de sangue que aquele vaso muito pequenininho estava suprindo.
E aí acontece a necrose, essa necrose fica aquela lesão negra que vocês devem ter visto nas reportagens por aí, e com essa necrose a
gente fica sem suprimento sanguíneo também, então quando a gente dá o remédio o antifúngico, ele não consegue chegar ali.
Então pra começar a tratar essa doença a gente tem que fazer o desbridamento cirúrgico, que é:  Você tem que tirar
todo aquele material necrótico, e às vezes você vai tirando e novas áreas vão aparecendo. Então você às vezes tem que levar várias vezes o paciente para o centro cirúrgico para sofrer vários desbridamentos, até que você consiga chegar a um tecido são, sem o
fungo, e aí você dá um remédio para ele conseguir debelar algum restinho que ainda esteja dentro.
mucormicose rino cerebral - fungo negro covidÉ a forma mais comumente vista da mucormicose, lembrando que é muito raro e é a forma rinocerebral, porque esse fungo está presente em todos os lugares que vocês possam imaginar… Ele não é um fungo raro, um fungo difícil de achar, ele está presente no solo, nas fezes dos animais, na grama, no ambiente, e a gente entra em contato com ele o tempo todo. Então na nossa pele, que ele enfim, a gente lava e ele vai embora, ou a gente inala esse fungo, e só que quando a nossa imunidade está muito boa, quando a gente
inala, as nossas células de defesa que se chamam macrófagos, eles vão lá e não deixam esse fungo causar nenhuma doença na gente.
E fora isso, eles são fungos que são muito sensíveis, então quando entra lá no nosso organismo que é mais quentinho, ele morre,
e assim por isso que não é todo mundo que está infectado com esse fungo, porque você precisa realmente estar com a sua imunidade ruim para ele atacar. Só que quando isso acontece eu vou explicar um pouquinho depois mais a fundo isso, ele vai entrar no seu organismo mais frequentemente pelo nariz, e por isso que é a forma rinocerebral, porque o nariz também tá lá pertinho do cérebro, então quando ele entra, ele vai causando sinusite, ele vai entrando nas mucosas nasais.
Então não é incomum a gente ver os pacientes com sinusite, ele vai pegando a mucosa e pode chegar até o osso da órbita ocular, pode ir subindo até chegar lá no cérebro.
mucormicose rino cerebral - fungo negro covidEntão são casos muito graves, e às vezes os sintomas iniciais são assim muito pouquinho, tem gente que acha que é uma sinusite, e vai evoluindo, porque o organismo sozinho não consegue debelar, e antes do Covid aparecer, a gente via esses casos principalmente em pacientes diabéticos, que não controlavam a sua glicose adequadamente e entravam num quadro que a gente chama de cetoacidose diabética, isso acontece quando a glicose está muito alta, isso causa um desbalanços inteiro no seu organismo e é
tudo que o fungo negro quer, porque você fica com o seu meio celular mais como se fosse seu organismo, mais ácido… Que é o
que ele adora, e cheio de glicose então! Isso é é um prato cheio, é tudo que o fungo quer: comida e um ambiente bom.
E aí a gente via esses quadros principalmente lá nos diabéticos, ou em pacientes com imunidade muito ruim. Então meu primeiro
caso foi numa paciente que tinha diabetes e tinha AIDS e aí ela fez essa forma rinocerebral, foi muito dramático.
Ou paciente que fez transplante de medula, que fez quimioterapia e a imunidade estava muito ruim, e geralmente tem algum problema da glicemia aumentada, e aí o que que aconteceu é que o Covid19? Qual é principal tratamento dos pacientes que
ficam muito graves? É o uso de corticoide! E às vezes a gente tem que fazer corticoide em dose muito alta para melhorar aquela inflamação no pulmão. Então você melhora uma coisa, mas se você não consegue ajustar essa glicemia, – um dos efeitos colaterais
muito importantes do uso de corticoides em doses elevadas é o aumento da glicemia – e geralmente você tem que dar outros remédios para deixar ela estável, se ela começa a subir demais você tá propiciando aí o fungo que na verdade já podia estar na gente. E outra coisa: Com infecção grave às vezes você fica acidótico, e tudo ali propicia o aparecimento, a emergência desse fungo. Fora que corticoide também diminui e muito a imunidade. Então realmente é tudo que o fungo negro quer, o Covid consegue preparar o
organismo para que ele consiga se proliferar.
E aí a gente tem visto muito acontecer na Índia, de repente um boom e de repente porque não tinha tanto paciente assim. E com tanto paciente grave lá como essa segunda onda do Coronavírus que eles tiveram, agora e aí a gente não tava muito preocupado, a gente começa a ver outro tipo de fungo no pulmão mas realmente essa forma rinocerebral eu ainda não tinha visto aqui no Brasil e
realmente não tinha muitos casos descritos. Mas aí eu tive oportunidade de ver meu terceiro caso nesses 20 anos de infectologia, e realmente são casos dramáticos que a gente faz a anti-fúngico mas a gente precisa do otorrinolaringologista atuando para fazer esses desbridamentos. Então nos casos da Índia, eles tiveram que tirar o globo ocular, às vezes tem que tirar um pedaço do osso um pedaço do osso do maxilar, é muito muito grave e é muito, muito triste, porque quando as pessoas conseguem sair disso elas ficam
desfiguradas, com alterações graves no rosto e isso é muito estigmatizante e traumatizante pros pacientes.

E como que a gente faz esse diagnóstico do fungo negro?

É basicamente vendo o fungo, então você faz uma biópsia, e já tem que fazer desbridamento mesmo. Você tira aquela parte toda acometida, e manda para o laboratório. Só que o fungo é muito frágil, então às vezes, se você não prepara adequadamente o material, se você massera um pouquinho, aí o fungo morre e você não consegue esse diagnóstico.
Mas ali, vendo fungo mais clinicamente, quem já viu uma vez é inconfundível, e pensou em mucormicose, você já tem que entrar com tratamento antifúngico imediatamente, e depois vai chamar o otorrino, fazer o desbridamento. Ou você pode fazer os exames de imagem, a tomografia e ressonância mas às vezes o paciente com Covid está tão grave, que ele não consegue nem ir lá na tomografia para fazer o exame. Então quando a gente pensa na mucormicose, e tem aquela lesão enegrecida, para quem já viu é muito parecido com aquele fungo que tem no pão, não é o mesmo fungo não tá gente? Mas tem um aspecto muito parecido. E é muito impactante.
O tratamento é praticamente o que eu falei, o desbridamento cirúrgico junto com os antifúngicos. Esses antifúngicos são extremamente caros e você tem que fazer por muitos e muitos meses, porque as lesões vão melhorando mas às vezes você tem que ir pro centro cirúrgico de novo, e você tem que continuar dando esses antifúngicos, a maioria deles na veia; hoje em dia de tratamento até mais novos por via oral, mas isso é só quando o paciente já está muito melhor, que não é a maioria dos casos.

E como prevenir-se do fungo negro?

E o que que você tem que fazer para não ter esse tipo de fungo?
Se você não tem nenhum problema de imunidade é muito raro que você pegue.
Mas se você pegou covid e ficou grave na UTI, com esse tipo de tratamento de corticoide. Mas tem um médico que está te
acompanhando direitinho, é custo-benefício, ele tem que ver o controle direitinho para não ter essa infecção grave.
Agora, cuidado! Muita gente fazendo “tratamento precoce” nessa história toda, dando corticoide para as pessoas no D1, D2 do início dos sintomas, e a gente sabe que corticoide é feito na fase inflamatória, só depois do sétimo dia. Quando você faz esse tratamento lá no começo da doença, você está diminuindo a imunidade.
Às vezes você está propiciando que o vírus fique mais tempo, e mesmo sendo uma dose baixa de corticóide que eles fazem no início, se o paciente é diabético, ele pode descompensar e pode sim entrar em cetoacidose diabética como eu citei antes.
Então muito cuidado com essa história de corticoide, porque às vezes as pessoas acham que não tem problema, mas tem sim. Ele baixa a imunidade, aumenta a glicemia e realmente é uma bomba para o organismo. Quando necessário é muito, muito bom! Mas tomar à toa e ainda tomar numa fase que você precisa da sua imunidade ativa, é realmente um erro gravíssimo.
Assista ao vídeo, deixe seu comentário lá!